A água que viu nascer os pescadores
Lagoa de Óbidos, sendo a maior da costa portuguesa, é a única sobrevivente de três grandes lagoas existentes na região Oeste desde o fim do neolítico (2000 a 2500 a.C). Com uma orientacão NW-SW, a Lagoa de Óbidos estende-se, no sentido do comprimento, por cerca de seis quilómetros, entre a Aberta e o Bom Sucesso, oscilando a sua largura entre os mil e os mil e quinhentos metros, para terminar, junto do mar, num apertado gargalo. Na sua área mais interior, salientam-se o Braço da Barrosa, a leste, junto da foz do Rio da Cal e o Braço do Bom Sucesso, a sudoeste. A lagoa é alimentada por água do mar através da ligação conhecida como "aberta" e água doce vinda dos rios Real, Arnóia e Cal e seus afluentes, que ali desaguam. A sua Bacia hidrográfica, com 438 Km2, recebe águas provenientes dos Concelhos de Caldas da Rainha, Óbidos, Cadaval, Bombarral e Lourinhã. Desde o século XV que as populações lutam contra o fim anunciado da Lagoa, através da abertura regular da ligação ao mar, ameaçada pelo assoreamento.
A Lagoa de Óbidos é uma laguna costeira individualizada num litoral construído em arribas vivas. O limite rochoso da linha de costa é interrompido pela embocadura da lagoa, que corta a continuidade da restinga arenosa através de um canal aberto para o mar. A separação do domínio marinho para a área lagunar é efetuada por um cordão dunar, paralelo ao litoral, altamente fragilizado. O maciço dunar está completamente destruído na margem direita por sucessivas deposições de dragados, enquanto que na margem esquerda está fortemente afetado pelas agressões infligidas pelo vento, pela ondulação e por ação humana, de que o pisoteio e a deposição sistemática de sedimentos dragados são as mais evidentes. Igualmente sensível é a Rocha do Gronho, arriba suportada por arenitos e conglomerados, onde a abrasão determinada pelas ondas incidentes é tão intensa que a instabilidade que lhe está associada representa um risco elevado para os frequentadores da praia. A composição geológica, as características geomecânicas das formações e a intensidade da ondulação que atua sobre a base da arriba determinam uma evolução típica das vertentes sujeitas a erosão marinha, tendo esta inclusivamente resultado na colocação de um sinal de perigo no topo que alerta para a eventualidade de se verificarem movimentos de massa. À medida que se avança para o interior, a importância ecológica do sistema lagunar acentua-se. Graças à enorme produtividade primária característica deste tipo de lagunas, a Lagoa de Óbidos possui grande riqueza ao nível da macrofauna bentónica. É observada a existência de extensos bancos de bivalves e de muitos outros seres vivos que constituem não só um recurso económico para as populações adjacentes mas também um recurso natural importante, permitindo o sustento das cadeias tróficas superiores.
Caracterização e situação sócio-profissional - No princípio, agricultores
A agricultura foi desde sempre uma das mais importantes e lucrativas atividades nas áreas adjacentes à lagoa. O tipo de agricultura que predomina foi sempre baseado na exploração familiar e no trabalho por conta própria, essencialmente de rendimento e destinado ao consumo próprio.
Mais importantes pelo volume do seu contingente populacional, eram os agricultores, isto é, todos os que exploravam uma unidade de produção agrícola, possuindo na terra a sua base de sustentação. O termo agricultor ou produtor rural é utilizado pelos habitantes locais para designar pequenos agricultores, as suas casas e terras. Pessoas que tinham um bocadinho de terra onde cultivavam os produtos para comer. Toda a família nuclear participava na luta diária de angariar o sustento suficiente para o agregado familiar, assumindo um trabalho nas atividades económicas de subsistência.
Quase todos tinham um bocadinho de água, porque os poços abundavam. A charrua era utilizada por quem podia. As grandes propriedades chegavam a ser lavradas por várias juntas de bois ao mesmo tempo. O burro, a mula ou a vaca eram os animais utilizados para transporte de pessoas, géneros, combustível vegetal (lenha), água, de e para a horta, representando um importante e complementar auxiliar humano nas debulhas do feijão e do grão. A posse do porco era, tal como a do burro, importante. Assumia um papel primordial na reserva alimentar anual de proteínas animais. O agricultor que tinha a seu cargo uma horta estava bem garantido economicamente. Era melhor que trabalhar no sequeiro. As hortas, embora caras, eram rentáveis, porque garantiam o abastecimento variado em géneros. A mecanização agrícola era praticamente inexistente. Era quase tudo feito à mão. «A penetração dos seus braços pelo interior dos campos agrícolas fazia adivinhar a cumplicidade com que era tratada pelos camponeses. Se dela recebiam o conduto que lhes tornava mais rica a mesa, dela retiravam, também, o adubo natural que lhes enriquecia os campos numa relação de ternura promíscua de mútuo respeito», salienta Maria Virgínia Henriques (1996).
A agricultura manteve até tempos recentes a sua posição maioritária e dominante. Os cultivos cederam lugar a pastos pobres, matos e floresta; casais e lugares perderam os seus ocupantes.
Os produtos mais cultivados foram-se alterando com o tempo: hoje predomina o regadio e as culturas arvenses (milho e forragens), pomares de diminuta expressão e explorações pecuárias orientadas para os gados bovino e suíno, havendo algum ovino. A vinha encontra-se em recessão, prevalecendo apenas pequenas áreas de horticultura. Encontram-se ainda hortas onde há cultivo de batatas, couves e grão, entre outros. Concluindo, o panorama geral é de significativo abandono da exploração agrícola em toda a área. Nos últimos anos tem vindo a crescer o aumento de habitats agrícolas de regadio — pomares de citrinos e pequenas hortas. Vastas áreas de terra anteriormente cultivadas estão em processo de abandono, dando origem a manchas de matos nas áreas adjacentes à lagoa.
Principais espécies (com interesse comercial) capturadas na Lagoa de Óbidos
A Lagoa de Óbidos é um dos locais do país mais ricos em bivalves, nomeadamente amêijoas e berbigão. Os bivalves são seres exclusivamente bentónicos, isto é, vivem nos fundos, estando a maior variedade nos substratos constituídos por sedimentos (areia, lodo, vasa). Entre os moluscos, os bivalves constituem um dos grupos mais fáceis de identificar. Qualquer um de nós já viu, no mercado ou no "prato", amêijoas ou berbigão, e certamente reparou que a caraterística morfológica mais evidente destes animais é o facto de terem o corpo dentro de uma concha constituída por duas partes. Cada uma dessas partes denomina-se valva, daí o nome de bivalves. Os bivalves são animais dotados de grande capacidade filtradora. Um só organismo pode filtrar diariamente várias dezenas de litros de água. É sabido que entre os bivalves ocorrem taxas de crescimento diferentes entre áreas situadas a curta distância e mesmo dentro de um mesmo banco, de ano para ano. É um fenómeno mais típico de animais sedentários do que de móveis e, dos fatores que o influenciam, salientam-se a temperatura, a quantidade de alimento disponível, o tipo de substrato, a salinidade, a densidade da população, o hidrodinamismo e a profundidade.
A maioria dos bivalves conseguem resistir largos períodos de tempo vivos (cerca de uma semana) fora de água, já que podem captar oxigénio, desde que mantenham as brânquias húmidas. Também podem resistir a curtos períodos de condições adversas (variações de salinidade, falta de oxigénio, presença de substâncias tóxicas), fechando as valvas.
Bivalves
Espécies: amêijoa-boa ou amêijoa-real, fêmea amêijoa-rainha, amêijoa-verdadeira, amêijoa-cão ou amêijoa-macha, longueirão ou lingueirão, langueirão, facas, navalha, berbigão, amêijoa-branca, mexilhão, ostra (portuguesa), pé-de-burro, vieira, conquilhas ou cadelinhas.
Crustáceos
O caranguejo-verde (Carcinus-mamas) é uma espécie omnívora, que se alimenta de anelídeos, moluscos, crustáceos, pequenos peixes, algas e plantas superiores. Na sua fase bentónica, sobretudo durante a muda da carapaça, é presa de diversas espécies de peixes e aves, constituindo um importante elo nas cadeias tróficas da laguna. Este crustáceo é capturado na lagoa desde tempos remotos.
No passado foi utilizado quase exclusivamente como fertilizante para os campos ribeirinhos. «O caranguejo estraga muito as redes e chega a comer o peixe que está nas nassas ou redes que deixamos», disse-nos Alberto Jacinto, mariscador. Com o surgimento dos fertilizantes químicos, a captura do caranguejo declinou. O reinicio desta atividade, no início da década de 80, foi motivado pelo interesse de intermediários da indústria alimentar espanhola, estando a pesca condicionada pela procura dos importadores. A produção destina-se quase exclusivamente para consumo humano, sendo a maior parte exportada para Espanha e apenas uma pequena quantidade consumida localmente como "petisco". O caranguejo é utilizado para a confeção do conhecido patê.
Enguia (Anguilla anguilla)
Morfologia
Corpo serpentiforme, cilíndrico anteriormente e comprimido na parte posterior. Escamas pequenas, embebidas no tegumento. Sem barbatanas pélvicas. Mandíbula mais longa que a maxila superior (ao contrário do safio Conger conger, com que poderia confundir-se). Os dentes são pequenos, dispostos em várias filas nas maxilas e palato. Nadam ondulando o corpo com o auxílio da barbatana dorsal que se liga à anal, formando uma única barbatana.
Cor: adultos com dorso verde-acastanhado e ventre amarelado ("enguia dourada"), alterando-se, respetivamente, para negro e prateado com a aproximação da maturidade sexual ("enguia prateada"). Tamanho: fêmeas, até 150 cm de comprimento; machos, até 50 cm de comprimento.
Distribuição
Atlântico, de Marrocos até ao Norte da Escandinávia e Islândia. Mediterrâneo e Mar Negro. Penetra a quase totalidade dos cursos de água portugueses.
Habitat
Migradora catádroma. Tem dois períodos de vida distintos: um no mar e outro nas águas doces ou interiores. Em Portugal, a entrada nos estuários parece verificar-se ao longo de todo o ano. Habita preferencialmente em locais de águas bem oxigenadas e pouco frias, com fundos de areia, lodosos ou com densa vegetação submersa. A enguia passa quase toda a sua fase adulta nos rios e estuários europeus, fixando-se os machos nos estuários e as fêmeas mais acima, migrando para montante. A fase de permanência em água doce pode durar entre 6 e 12 anos, no caso dos machos, ou entre 10 e 20 anos, no caso das fêmeas. Findos estes anos de permanência, empreendem o regresso ao Mar dos Sargaços, para a reprodução.
Alimentação
Carnívora. Os adultos alimentam-se de peixes, crustáceos, larvas de insetos e cadáveres de outros seres marinhos. Durante o dia as enguias permanecem em abrigos, enterradas no sedimento, debaixo de rochas ou raízes de árvores, onde estão protegidas da luminosidade e dos predadores. Tornam-se ativas ao entardecer. Com a maturidade sexual, o tubo digestivo regride e cessa a atividade alimentar.
Reprodução
Ocorre no Mar dos Sargaços, em águas profundas. Os ovos e larvas leptocéfalas são planctónicos, sendo arrastados pela Corrente do Golfo através do Atlântico, durante cerca de três anos, até atingirem o litoral europeu.
Observações
Espécie com alto valor comercial, é excessivamente capturada tanto na fase de meixão como na fase adulta. E considerada "comercialmente ameaçada" no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal e encontra-se em regressão nas bacias hidrográficas com barragens. Também é conhecida pelos nomes vulgares de "meixão" (juvenis) e "eiró" (fase adulta).
Outra Fauna Marinha (referida pelos pescadores)
Relativamente ao peixe capturado, as principais espécies com interesse comercial na Lagoa de Óbidos parecem não ter variado ao longo dos tempos. Entre estas encontram-se a espécie migradora de grande valor comercial, a enguia. A esta espécie juntam-se outras, essencialmente marinhas que, em determinadas épocas do ano, sobem o rio com a maré.
Espécies: sardinha, biqueirão, cavalo-marinho, agulhinha, robalo-legítimo, salmonete, sargo-legítimo, sargo, besugo, salema, dourada, choupa, peixe-aranha, caboz, tainha, liça ou muge, peixe-rei, pregado, rodovalho, solha, congro, azevia, linguado-da-areia, linguado-legítimo, choco, polvo, carapau, caranguejo-verde, navalheira, santola-europeia, búzio, canilha, camarão-legítimo, boga, enguia e savelha.
Na lagoa de Óbidos existiu também em tempos exploração de salinas. Segundo os registos as salinas terão funcionado de 1931 a 1977 e o último salineiro de que existe registo terá sido o Sr. Manuel Pereira.